terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O queijo, os vermes, os anjos e o caos.

Esta resenha tem por escopo elucidar os principais aspectos do livro “O queijo e os vermes“, do autor Carlo Ginzburg. Para tal, será feito um diálogo com os textos trabalhados durante o curso que se correlacionam com as idéias do autor.

Destarte, o presente livro acompanha a trajetória de um personagem peculiar, que se destaca pelas idéias inovadoras e curiosas. Domenico Scandella, mas conhecido como Menocchio, parecia ser um simples moleiro, mas ao longo da narrativa de Ginzburg, percebe-se que se trata de um personagem mais complexo. Era, aparentemente, auto-ditada. Aprendeu a ler e a escrever numa época em que grande parte da população européia era analfabeta. Possuía alguma renda, não pode se dizer que era rico, mas também não era “paupérrimo”, como chegou a anunciar aos Inquisitores.

Por conseguinte, questiona-se, qual o interesse em um camponês italiano do século XVI? A resposta para essa questão vai muito além da figura de Menocchio, mas o contexto em que ele estava inserido. Menocchio teve acesso à uma séries de livros e a lendas populares que o ajudaram a construir todo um imaginário peculiar sobre fé, religião e a Igreja Católica. Tanta indagação e questionamento o levaram a ser acusado de heresia pelos seus conterrâneos e entregue aos Inquisitores.

Assim, inicia-se a pesquisa de Ginzburg sobre todo o processo dos autos Inquisitoriais de Menocchio. Procurando entender as origens de suas idéias, o autor coloca ao leitor inúmeras possibilidades de se pensar o contexto social de Domenico. Como seria possível, um simples moleiro despertar nos membros julgadores de seu processo tamanha curiosidade? Nada mais justo, do que elucidar todo um contexto no qual Menocchio estava inserido, uma mentalidade popular e intelectual cerceada de mistérios ocultos pela Igreja. É este o questionamento de Menocchio, o monopólio cristão sobre o conhecimento mundano.

Nesse caso, Ginzburg reconhece nas palavras de seu personagem histórico as inúmeras questões que perpassaram toda a Europa, como o movimento da Reforma e o Renascimento. Ali, o autor percebe os traços deixados por uma cultura intelectual e erudita mesclada com fenômenos populares. A tradição oral, as lendas medievais e a cultura popular eram canais de conhecimento que alimentavam o camponês europeu. Essa mistura de ideias, lapidadas e muito bem elaboradas na mentalidade de Menocchio, formaram uma mistura explosiva que ia muito além de modelos preestabelecidos. Tratava-se do encontro entre a página escrita com a cultura oral, formando uma cosmogonia materialista e tendencialmente científica.

Para Ginzburg, a difusão dessa cultura oral só seria possível através da criação da imprensa e do advento da Reforma. É a vitória da abstração sobre o empirismo. A imprensa teria permitido a Menocchio confrontar os livros com a tradição oral em que havia crescido e lhe conferiu os elementos necessários para organizar suas novas idéias. A Reforma, por sua vez, deu-lhe a ousadia para externar o que pensava ao padre de sua aldeia, aos seus conterrâneos e aos inquisidores.

Como afirma Pierre Bourdieu[1], não se pode construir uma trajetória sem levar em conta a estrutura da rede. Se faz necessário, conhecer os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.

Portanto, o que se destaca na obra de Ginzburg são as possibilidade de se construir a narrativa histórica. Primeiramente, pois, partindo de uma perspectiva micro-histórica, utilizando o foco em um individuo qualquer, o autor consegue aumentar sua escala microscópica e elucidar aspectos de toda uma comunidade.

Como Giovanni Levi destaca a biografia não é, nesse caso, de uma pessoa singular e, sim, de um individuo que concentra em si todas as características de um grupo.

Outrossim, a utilização de elementos biográficos para fins prosopográficos são considerados reveladores quando eles tem um interesse geral. Afinal, existe todo um contexto histórico que justifica os desvios e as singularidades do personagem Menocchio.

Assim, ainda segundo Levi, a biografia alcança sua maior importância quando permite abordar um desacordo entre as regras, as práticas e as incoerências estruturais inevitáveis entre as próprias normas. Logo, mostrando que a repartição desigual de poder, por maior e mais coercitiva que seja, sempre deixa alguma margem de manobra para os dominados, que podem então propor aos dominantes mudanças nada desprezíveis.

Desse modo, a obra de Ginzburg é mais um viés de pesquisa que permite através da micro-história, mostrar a capacidade dos atores históricos de serem também agentes ativos.

Além disso, Ginzburg também fornece ferramentas ao historiador de criar narrativas de caráter literário, dando ao seu texto uma conotação interpretativa. Seu texto, segue uma tendência quase romancista, procura responder às próprias questões presentes das brechas da documentação, trazendo para o leitor uma gama ampla de possibilidades.